quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Aquilo de 'nunca mais' me assustou. Nunca mais teria meu cabelo bagunçado. Nunca mais eu mudaria a música preferida dele na hora do refrão. Nunca mais brigaríamos pela pontualidade britânica que ele não tem. Nunca mais o cheiro do banho, o cabelo molhado... Nunca mais o telefone tocando às 22:45 da noite. Nada de conversas bobas, olhar certo na hora certa e no lugar certo. Nunca mais televisão no sofá com as almofadas, travesseiros e o ventilador. Nunca mais as mesmas brigas, os mesmos defeitos, as mesmas manias. Nunca mais matar a saudade e sentir saudade. Nunca mais cartas. Nunca mais fotos dele pelo quarto. Nada de críticas que só a ele permito. Nada de gargalhada gostosa. Nunca mais ele vai adivinhar meu ciclo menstrual. Nunca mais os cinemas que não fomos. Nunca mais os planos que fizemos. Nunca a respiração que salva meu mundo. Nunca mais ensinar a ele que Chico Buarque é um quase-deus. Nunca mais recortar as reportagens do jornal que ele gostaria de ler. Nunca mais dizer que ele que não vai gostar daquela comida, nem avisar que 'é doce misturado com salgado'. Nunca mais beber as coisas que ele tenta me ensinar. Nunca mais o porre que não tomamos. Nunca mais. Nunca mais... Aquilo de 'nunca mais' continuou assustando..."
Raquel Lemo
"E penso ainda: o que mais me incomoda nessa vida é esse tanto de gente que vai sem aviso - não de morte morrida ou matada, mas gente que um belo dia lhe dá um beijo de boa noite, faz a curva da esquina e nunca mais. Os telefonemas vão ficando esparsos, a voz já não vibra ao reconhecer a tua e todo aquele mundo que foi visto a dois perde o sentido. Nas noites estreladas, quando vasculhamos o infinito, à cata de algum sinal, quando nossa pequenez salta aos olhos, nessas noites a gente se flagra pensando no tanto de gente que se foi e, na grande maioria das vezes, descobre que quase nunca houve dois, que dois é coisa difícil de ser achada. A serenidade daquilo que é par nos é quase sempre estranha ao paladar, não é mesmo? Como uma iguaria desconhecida, mas secretamente desejada."
Miguel Falabella

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